O que motiva os incêndios de grande dimensão em Portugal?

O que motiva os incêndios de grande dimensão em Portugal?

Os fogos florestais fazem parte dos ecossistemas mediterrânicos em todo o mundo. Sempre fizeram, sempre farão. Resultam da combinação de uma elevada produção primária vegetal com Verões muito secos e muito quentes.

Os motivos que os especialistas identificam para justificar o aumento da ocorrência de fogos, em especial na área mediterrânica, nos últimos 40 a 50 anos, são vários. Um dos factores que o ser humano não controla são as alterações climáticas, que introduzem períodos de seca prolongada no tempo e no território, aumentando o perigo de incêndio.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), criado no âmbito das Nações Unidas (ONU), publica, a cada seis anos, um relatório em que se analisam as alterações climáticas, as suas causas em que se mostram os caminhos que podem ser tomados para reduzir os seus efeitos.

O mais recente destes estudos (2014) aponta a acção do homem como principal causa das alterações que se verificam no clima. Os efeitos negativos do aquecimento global sobre a sociedade humana e a natureza são muitos e afectam o planeta de forma diferente.

No clima mediterrânico, no qual se inclui Portugal, por exemplo, há alertas para uma mudança que implica o aumento de ondas de calor e períodos maiores de seca. Mudanças que originam um prolongamento da época de incêndios e, possivelmente, aumentos das áreas queimadas em algumas regiões da bacia mediterrânea.

A seca origina um aumento da temperatura e a redução da humidade. Estes factores, quando associados a ventos fortes, aumentam o risco de incêndio. A problemática dos incêndios é vasta e não está relacionada apenas com as alterações climáticas. Há outros aspectos que ajudam a explicar ignições e a propagação de fogos em incêndios de grande dimensão na floresta portuguesa.

O envelhecimento da população rural e o fluxo migratório das zonas do interior do País para espaços urbanos contribuíram para que muitas terras de cultivo e pastoreio deixassem de existir. O mato anteriormente era limpo para fornecer material comestível ao gado ou combustível.

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Portugal é o país da Europa em que a transição entre a desarborização e a reflorestação foi mais rápida: a área de floresta, que era de 4 a 7% em 1870, passou, num século, para quase 30% do território continental.

Esta transição coincidiu com o abandono da agricultura e o êxodo rural sem que se tenha consolidado uma tradição de gestão e cultivo das matas. O desaparecimento desta economia veio permitir a expansão da floresta que fornece rendimento aos proprietários dos terrenos. O País perdeu estes espaços naturais de corta-fogo, deixando vastas áreas florestais de pinheiro e eucalipto vulneráveis aos incêndios devido à acumulação de combustível.

A desertificação de uma parte do País e o desinvestimento e desaparecimento de diferentes estruturas do Estado desses locais, que ajudavam a manter estruturas e meios de gestão, vigilância e policiamento, desapareceram em grande medida.

A floresta é de privados

Portugal é o país da União Europeia com mais floresta nas mãos de proprietários privados que, em grande parte, se defrontam com a sua baixa rentabilidade. Este problema tem particular incidência na floresta do Norte e do Centro, assim como em algumas áreas serranas do Sul, traduzindo-se num défice de gestão das áreas florestais, ao qual se pode acrescentar o abandono de muitas áreas agrícolas.

Estes são alguns problemas causados pela acção, ou inacção, humana que ajudam a explicar uma parte dos incêndios. Não são os únicos. Há outros factores como a inexistência de um cadastro florestal actualizado em toda a extensão do território nacional, a falta de políticas adequadas para a gestão da floresta e do território e a existência de legislação inadequada que não possibilita o seu cumprimento ou a aplicação de coimas a quem infringe a lei. Depois existe uma política, seguida pelos países mediterrâneos no combate a incêndios, que aposta essencialmente na redução do número de ignições através da supressão de incêndios. São medidas de reacção e não de prevenção.

Quando os países deixam de ter capacidade de recursos humanos e materiais proporcionais para controlar e extinguir todos os incêndios que surgem num dia, um fogacho transforma-se rapidamente num Grande Incêndio Florestal (GIF), descontrolado, queimando grandes áreas de floresta. É necessário melhorar esta política com medidas complementares de prevenção e gestão da floresta.

Henk Feith, director de produção na Altri Florestal, explica que após alguma bonança na segunda metade da década passada, os anos 10 do século XXI revelaram que não se consegue atingir nenhuma das metas propostas no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI).

“Com a não execução da rede de faixas de gestão de combustível, a continuação do processo de abandono do mundo rural (e consequente acumulação de combustível) e a ineficácia no combate, a dimensão dos incêndios depende sobretudo das condições meteorológicas”, diz Henk Feith. Os anos 2016 e 2017

foram marcados por múltiplos incêndios de dezenas de milhares de hectares, para os quais a capacidade de combate e controlo por parte da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) é manifestamente insuficiente. Os abundantes meios da ANPC, baseados em grande parte em bombeiros voluntários sem formação específica em combate a incêndios florestais, não estão preparados para lidar com Grandes Incêndios Florestais (GIF).

O desastre de Pedrógão Grande criou uma dificuldade acrescida à operacionalidade da ANPC e às suas corporações, que passaram a ter como prioridade absoluta evitar novos acidentes letais. Se o combate florestal já era o parente pobre nas prioridades da ANPC, após Pedrógão praticamente desapareceu.

O resultado foram incêndios de duração de uma semana e que atravessaram o País em muitas dezenas de quilómetros. Cada vez mais vozes se fazem ouvir, apelando à atribuição da responsabilidade do combate florestal a uma entidade constituída por bombeiros profissionais exclusivamente dedicados ao combate a incêndios florestais.

Henk Feith, Director de Produção, Altri Florestal

Henk Feith, Director de Produção, Altri Florestal

Prevenção

Não é nenhum segredo. O combate aos incêndios é mais difícil, ineficaz e dispendioso do que a sua prevenção. Os dados apresentados neste artigo mostram a existência de um padrão com uma periodicidade, mais ou menos regular, que faz com que Portugal tenha uma média de 120 mil ha anuais consumidos pelo fogo. Todos os anos há prejuízos importantes de ordem ambiental, como a destruição de habitats, de ordem económica, como os custos para combater os incêndios, e de ordem humana, como a perda de vidas ou acidentes.

No relatório anual de áreas ardidas e incêndios florestais em Portugal Continental, relativo a 2015 – é o documento final mais recente –, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas faz uma outra análise dos prejuízos ambientais e materiais. A metodologia utilizada para a determinação do valor dos prejuízos resultantes dos incêndios florestais tem por base o cruzamento da cartografia das áreas ardidas em Portugal Continental, dada pelo EFFIS – European Forest Fire Information System, com a informação estatística obtida pelo Inventário Florestal Nacional de 2010 e a aplicação dos critérios considerados na matriz estruturante do valor das florestas da Estratégia Nacional para as Florestas, no âmbito da componente do risco relativo dos incêndios florestais, sendo o valor obtido extrapolado para o valor da área ardida dado pelo Sistema de Gestão da Informação de Incêndios Florestais (SGIF).

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O combate aos incêndios é mais difícil, ineficaz e dispendioso do que a sua prevenção.

A estimativa de prejuízos ambientais e materiais no ano 2015 foi de 119,4 milhões de euros, um valor inferior ao prejuízo médio do decénio anterior, que se cifrou na ordem dos 173 milhões de euros.

Privados mostram o caminho

No início do século XXI as empresas de celulose, cientes de estarem perante uma ameaça colectiva, decidem juntar os seus esforços individuais de combate numa estrutura colectiva e é criada a Afocelca. É a primeira corporação profissional de combatentes de incêndios florestais de Portugal e dispõe ao longo de todo o Verão de meios terrestres em todo o País, apoiado por vários meios aéreos e um comando centralizado para a coordenação de todos os meios nos incêndios onde actua.

A Afocelca é construída com base no modelo chileno de combate a incêndios, contando no início com vários combatentes profissionais chilenos na chefia das brigadas. É implementada a prática de ferramentas manuais essenciais no combate e é aplicada a filosofia de ataque inicial em massa.

O Método Afocelca é reconhecido e integrado nas estratégias de combate de muitas corporações de bombeiros. A Afocelca gradualmente recebe o reconhecimento necessário por parte da Protecção Civil e passa a ser integrada no DECIF (Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais).

Com o virar do século, a mudança no comportamento do fogo nos incêndios torna-se cada vez mais evidente. Os imparáveis processos de abandono rural criaram condições muito favoráveis para a ocorrência de Grandes Incêndios Florestais (GIF) e em 2003 e 2005 assistiu-se aos piores anos de que há memória em Portugal. Em resultado destes incêndios foram aprovados vários diplomas legais que visaram reduzir a vulnerabilidade do território Português aos GIF.

Esta redução assentava na compartimentação da paisagem e na criação de uma rede de faixas de gestão de combustível. Estas últimas serviriam para proteger as localidades rurais e criar condições para travar as frentes de fogos em locais estratégicos. Assente em princípios correctos, o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) contém um erro que se veio a revelar fatal: não resolveu a questão essencial do ónus da sua execução.

A quase totalidade das faixas de gestão de combustível localizam-se em propriedade privada e o Estado não quis assumir os custos da limpeza das faixas…, isto num território que não cria riqueza suficiente para suportar essa despesa. O resultado é que todos os anos quase todo o PNDFCI fica por executar. A culpa não morre solteira: 10 anos depois da publicação da legislação, que prevê a declaração de utilidade pública da Rede Primária, o Estado ainda não a declarou. Presumivelmente para evitar o pagamento de compensação pela perda de produção aos proprietários florestais em resultado da implementação da Rede Primária.

Após alguma bonança na segunda metade da década passada, os anos 10 do século XXI revelaram que não se consegue atingir nenhuma das metas propostas no PNDFCI. Com a não execução da rede de faixas de gestão de combustível, a continuação do processo de abandono do mundo rural (com a consequente acumulação de combustível) e a ineficácia no combate, a dimensão dos incêndios depende sobretudo das condições meteorológicas do ano.

Não diabolizar a floresta

O elevado número de estudos científicos sobre os incêndios em Portugal já mostrou cabalmente que não são causados por qualquer espécie florestal em particular, mas sim resultante de um longo processo de mudança de utilização do território. A cultura do eucalipto é das poucas capazes de criar riqueza suficiente para autofinanciar a gestão do combustível, como é comprovado pela gestão do património das empresas de celulose, exemplares na implementação da silvicultura preventiva. Curiosamente foi esta espécie que foi recentemente diabolizada numa legislação discriminatória sem precedentes em Portugal. “A chamada Reforma da Floresta vai acelerar os processos de abandono da floresta, por ser pouco mais do que um conjunto de restrições à actividade económica privada.

Ao proibir o investimento em reflorestações, essencial para manter a floresta produtiva e rentável, os proprietários vão gradualmente desistir da gestão das suas matas, deixando-as entregues ao próximo Grande Incêndio Florestal”, conta o engenheiro florestal, Henk Feith. A Reforma da Floresta, em vez de atender aos processos socioeconómicos que estão por trás das mudanças no mundo rural, só vai agravar o problema dos fogos e da desertificação.

Nas últimas décadas, os GIF tornaram-se sistémicos e não fruto de uma coincidência infeliz de factores. São resultado de um mundo rural abandonado, associado a alterações climáticas que proporcionam condições favoráveis a incêndios violentos e incontroláveis.